quinta-feira, 8 de julho de 2010

Clip ACP Sempre Viva

Propaganda Sempre Viva

SEMPRE VIVA, honrada e digna!




Ela é uma senhora. Tem sessenta anos e uma penca de netos. É uma avozinha doce e resignada, a primeira vista. Olha o ambiente com a cautela e o medo natural dos discriminados. Na mão, um saco plástico que envolve um papel. É um exame: Positivo. Foi traída no compartilhamento marido/mulher. Usada no exercício do amor como depósito de impurezas. Foi objeto direto e indireto da inconseqüência de um marido insensível, irresponsável. Foi aviltada.

Ela é uma das muitas senhoras, honradas, decentes, vítima do descaso e de políticas públicas pouco eficientes. Sofrem uma dor profunda que vai muito além do insuportável físico, do humanamente possível. São as pacientes da desesperança.

As modernas e eficientes armas da medicina dão um conforto que aliviam o corpo, minimizam a dor orgânica e estendem o calendário para além de dias, meses e anos.

Estas mulheres não olham para o futuro, incerto, esperando melhoras. Conhecem e convivem com a gravidade da doença. Querem hoje um tratamento que está disponível, não depende de receituário ou alquimias farmacológicas.

Pedem respeito, atenção e afeto. Nada mais que isto. Elas personificam uma das mais cruéis estatísticas do Ministério da Saúde, o crescimento galopante do HIV-Positivo em mulheres com mais de 50 anos (????). Senhoras, respeitáveis, casadas, monogâmicas, mães de família.

São hoje portadoras da dignidade aviltada pela canalhice (???) de maridos, parceiros, militantes oportunistas da falsa moralidade moderna. Foram infectadas em relações estáveis, com os pais dos filhos, avós dos netos. Companheiros de anos, de vidas inteiras.

Elas não possuem o perfil do HIV Positivo. Se descobrem doentes e nem por sonho, desconfiam da gravidade da enfermidade que as alcançou na contramão de suas biografias. Enfrentam a primeira dificuldade de entender o que está acontecendo. Como pode ser? Porquê ? Vão buscar a primeira ajuda, já completamente fragilizadas pela desconstrução de suas vidas...

O marido, responsável pelo “crime”, é sempre o primeiro a fugir. Deixa impregnada em cada pedaço do corpo da ex-parceira, mulher, companheira as digitais da indiferença, do desamor. Muitas vezes, em nome da covardia, imprime na pele, já envergonhada dela a idéia da traição, da desconfiança.

A sociedade omissa finge que não sabe e espia pelo vão da janela o definhamento da vizinha do 3° andar. A desestruturação sobre a vida destas mulheres é inexorável, violenta. Ela perde os lastros, a família sempre se desmantela. O abandono é comum. A perda do emprego é uma conseqüência quase natural.

O convívio social é o exercício da humilhação e da completa falta de perspectiva. A convivência com a doença, com as transformações do corpo, os efeitos colaterais, a perda de massa muscular (lipodistrofia), a precipitação da menopausa, o aumento do colesterol, da taxa de açúcar no sangue, entre outros problemas, são os menos penosos nesta ciclo de vida de cada uma delas.

A medicina trata, e bem, desta parte. O difícil é conviver com a insensibilidade coletiva, com o olhar preconceituoso. Saber do “não de véspera”, mas ir enfrentá-lo com a dignidade dos saudáveis de alma. A depressão, doença destes nossos tempos, é um horizonte inevitável para estas corajosas mulheres. São poucas as portas que se abrem. Janelas, talvez nem existam mais.

Eu conheço uma porta que acolhe estas especiais criaturas, vitimas do machismo,e da mais grave doença social, a omissão. Ela fica na Rua Caetés, centro de Belo Horizonte, numa sobre-loja. O pouco espaço físico é compensado pela imensidão de boa vontade. Pelas doses cavalares de compreensão, afeto e restauração de auto-estima. O trato é o da humanização, do respeito e do resgate da dignidade e da cidadania. Eles cuidam das pessoas, dos valores. Juntam cacos. Ajudam médicos e pacientes a tratar das enfermidades, das doenças.

A senhora do começo, que chegou ressabiada, com o exame positivo, uma espécie de “atestado de óbito provisório”, percebe rápido que o endereço da Caetés é o da compreensão. Sempre Viva, ela sabe que chegou ao lugar certo. Um punhado de gente do bem, associados ao exercício da cidadania positiva, acolhe e orienta. Eles vão transformar aquele exame, com sentença, em uma nova certidão de nascimento, de vida decente, afetiva sem prazo de validade.

Pelo tempo que for, será sempre viva no coração deles.


Luiz Gonzaga Mineiro
Jornalista
Consultor de Multimídas